O’hara Santos
De acordo com pesquisa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) de 2020, o abuso de álcool foi potencializado na pandemia
Muita gente já sabe: bebida alcoólica faz mal à saúde e pode causar sérios danos individuais, coletivos e econômicos a quem a ingere em excesso. A novidade é que, embora o consumo abusivo seja mais frequente entre homens, pesquisas mostram aumento desse hábito impulsionado pelas mulheres.
Na última década, uma em cada quatro brasileiras fez uso dessa droga lícita de forma excessiva. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica como abusiva a ingestão de 60g (quatro doses) ou mais de álcool puro em, ao menos, uma ocasião no último mês.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou o aumento de 30% entre o sexo feminino. Na faixa etária dos 18 a 24 anos, o índice subiu de 14,9% para 18%, informa o sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), ligado ao Ministério da Saúde. Dos 35 aos 44 anos, esse número pulou de 10,9% para 14%.
Outra informação preocupante, divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), envolve idosas: 11,3%, entre 55 e 65 anos, já ultrapassam os limites da bebida alcoólica. Devido a essa alta, o número de internações entre mulheres saltou de 85.311 para 101.902, de 2010 a 2018, o equivalente a 19%.
Saúde feminina em perigo
“O álcool é um grande inimigo do ser humano. No organismo feminino, tem efeito destruidor”, esclarece o médico Fábio Denardin. Segundo ele, a mulher apresenta menor quantidade de líquido no corpo, e o uso desse tipo de bebida se torna mais concentrado. “Com isso, amplia seus efeitos tóxicos”.
Os riscos de doenças são vários. “A ingestão contínua pode desencadear lapsos de memória, alteração de humor, labilidade emocional, além de cirrose hepática, doenças cardíacas e câncer de mama”.
Para as gestantes, o especialista em ginecologia e obstetrícia é categórico: “Não existe quantidade segura de consumo na gravidez. O feto é extremamente vulnerável, pois o álcool atravessa a barreira placentária, causando defeitos deletérios em qualquer fase da idade gestacional, principalmente sobre os efeitos neurocomportamentais”.
O médico continua o alerta. “Se usado no início da gravidez, o índice de abortamento chega a 10%, e as más-formações têm três vezes mais chances de ocorrerem”, orienta o Dr. Fábio.
Alívio ou veneno para o corpo e a alma?
Amenizar dor emocional, depressão, insônia, ansiedade ou a tristeza pelo fim de um casamento. Por que algumas mulheres tentam “afogar” seus problemas em copos de bebida?
“Muitas vezes, o uso abusivo é facilmente aceito, ou, até mesmo, incentivado como opção de alívio das dores sentidas no íntimo. Porém, essa mesma sociedade rechaça a dependência e a rotula como fraqueza ou falta de caráter”, define a psicóloga clínica Michele Bitencourt.
De acordo com ela, as causas podem ser variadas. “Desde a predisposição genética a traumas vivenciados ou uma associação de fatores que levaram a pessoa a exceder o limite. A pandemia potencializou as disfuncionalidades dos indivíduos, facilitando o acesso ao álcool”.
Para a psicóloga, seja qual for a causa, o importante é a mulher se permitir receber ajuda. “Ela necessita de tratamento, entre eles, está a psicoterapia, pois auxilia no processo de desintoxicação e controle da compulsão”, orienta.
“O caminho do ‘fundo do poço’ é bem conhecido, e ceder a uma vontade sem controle leva a um uso mais frequente, que, por sua vez, altera seu comportamento, sua identidade, autopercepção, capacidade de raciocínio e tomada de decisão”, frisa Michele. Ela faz questão de enfatizar: “Qualquer um desses fatores pode ser um sinal de alerta. Essa pessoa precisa de ajuda profissional e espiritual. A combinação de tratamentos especializados e fé produz ótimos resultados no controle da compulsão”.
Caminho rápido para a dependência
A artesã Geilza Maria Cardoso mergulhou no submundo do álcool ainda na adolescência e lá permaneceu durante três décadas. “Vivi nessa prática dos 15 aos 48 anos. No início, bebia apenas socialmente, mas, depois, virou dependência”.
Da cerveja Geilza passou para a cachaça, avançando para bebidas mais fortes. “O hábito era diário, de manhã cedo, na madrugada… Deitava bêbada e acordava tomando outra dose para curar a ressaca”, diz.
A compulsão era sustentada pelo pouco recurso vindo dos trabalhos com crochê. “Quando não tinha dinheiro, o jeito era comprar fiado ou outras pessoas pagarem”.
Frustração no casamento
O motivo para Geilza trilhar o caminho da dependência? “Desilusão amorosa. Pedi a separação de uma união após 17 anos, pois teve traição da parte dele!”, revela.
A decepção deixou cicatrizes profundas na alma de Geilza. Para se desvencilhar do trauma, foi um árduo processo. “Eu me afundei no álcool tentando esquecer aquela dor”.
Internada, durante cinco meses, em um centro de tratamento de dependência química, ela aprendeu a conversar com Deus. “Fiz o seguinte voto com Ele: quando saísse dali, não colocaria mais bebida alcoólica na boca”.
Após a alta médica, Geilza aceitou o convite de uma irmã, também ex-alcoólatra, para participar de um culto na Igreja da Graça. “Gostei tanto que continuei a frequentar a reunião. Jesus me libertou. Agora, só bebo água, suco e refrigerante”, garante.
Ela aproveita e deixa uma mensagem encorajadora às mulheres: “Se você está começando no mundo do álcool, pense bem. Para entrar é fácil; difícil é sair. Vivi uma falsa alegria, programada pelo inimigo. Mas tenha fé, porque o Senhor cura e dá a felicidade merecida”.
Dor, sofrimento e vício
Vera Lúcia da Silva se casou jovem e, muito cedo, conheceu a dor e o sofrimento. Aos 18 anos, viu o marido ser preso e teve de cuidar sozinha das duas filhas pequenas.
No entanto, o pior acontecera antes da prisão dele: o próprio pai havia abusado sexualmente da filha de dois anos na época. “Uma noite, acordei de repente e o flagrei. Agarrei-o pela camisa e o joguei longe, mas ele pediu perdão, e aceitei. Continuamos juntos. Porém, depois, ele repetiu o mesmo ato com a minha outra filha”. Muito abalada, Vera decidiu abandoná-lo de vez, quando ele ainda estava preso.
Apesar de sentir nojo de bebida, ela acabou buscando no álcool o que julgava ser a saída para driblar a tristeza. “Eu bebia cerveja, cachaça com limão e bebidas quentes. Queria dormir e parar de pensar nos ocorridos. Então, quando estava bem relaxada, às vezes já bêbada, adormecia. No dia seguinte, acordava triste”.
Quando percebeu, Vera estava dependente. “Sem Deus, a gente perde as forças. Eu tinha de prosseguir, pois meus filhos precisavam de mim. Eu era mãe e pai ao mesmo tempo”.
Além dos traumas emocionais, ela sentiu os efeitos físicos do álcool, como falhas de raciocínio. “Estava afetando minha mente, deixando a memória enfraquecida”.
Há quase sete anos, Vera começou a buscar ajuda no Senhor e conheceu a Igreja da Graça. “Eu não conseguia me firmar em nenhuma denominação. Mas conheci o Pr. Márcio Ramos, e ele me ajudou no processo de libertação. Foi difícil. Cheguei lá manifestando espíritos, mas fiz campanhas, permaneci na fé em Jesus e fui liberta. O suporte espiritual, as orações e a Palavra me ajudaram, e, hoje, sou feliz. Deus nunca me abandonou”.
Colaborou Amanda Pieranti